sábado, 25 de dezembro de 2010

FELIZ NATAL , FELIZ 2011 !!!


FRANCIS HIME, OLÍVIA JOANA, LUISA, E MARIA



JAIME ALEM E NOEMIA HIME


MARIA BETHANIA E NOEMIA HIME













segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

FELIZ NATAL BETHANIA




O nosso caminho é feito pelos nossos próprios passos, mas a beleza da caminhada, depende dos que vão conosco.

Assim, para que em 2011 possamos caminhar mais e mais juntos, desejamos que você tenha um ótimo Natal, cheio de Alegrias, Harmonia, Renovações de Fé, muita Paz e tudo o que nossa caixinha de Sonhos nos faz acreditar.

A todos os votos de um caminho Iluminado!

Neide

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

LINDO DEMAIS !!!

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

domingo, 24 de outubro de 2010

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

CASTRO ALVES NAVIO NEGREIRO

Navio Negreiro
(TRAGÉDIA NO MAR)
I

'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço
Brinca o luar - dourada borboleta;
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.

'Stamos em pleno mar... Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias,
- Constelações do líquido tesouro...

'Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...

'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas...

Donde vem? onde vai? Das naus errantes
Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?
Neste saara os corcéis o pó levantam,
Galopam, voam, mas não deixam traço.

Bem feliz quem ali pode nest'hora
Sentir deste painel a majestade!
Embaixo - o mar em cima - o firmamento...
E no mar e no céu - a imensidade!

Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!
Que música suave ao longe soa!
Meu Deus! como é sublime um canto ardente
Pelas vagas sem fim boiando à toa!

Homens do mar! ó rudes marinheiros,
Tostados pelo sol dos quatro mundos!
Crianças que a procela acalentara
No berço destes pélagos profundos!

Esperai! esperai! deixai que eu beba
Esta selvagem, livre poesia
Orquestra - é o mar, que ruge pela proa,
E o vento, que nas cordas assobia...
..........................................................

Por que foges assim, barco ligeiro?
Por que foges do pávido poeta?
Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira
Que semelha no mar - doudo cometa!

Albatroz! Albatroz! águia do oceano,
Tu que dormes das nuvens entre as gazas,
Sacode as penas, Leviathan do espaço,
Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas.

II

Que importa do nauta o berço,
Donde é filho, qual seu lar?
Ama a cadência do verso
Que lhe ensina o velho mar!
Cantai! que a morte é divina!
Resvala o brigue à bolina
Como golfinho veloz.
Presa ao mastro da mezena
Saudosa bandeira acena
As vagas que deixa após.

Do Espanhol as cantilenas
Requebradas de langor,
Lembram as moças morenas,
As andaluzas em flor!
Da Itália o filho indolente
Canta Veneza dormente,
- Terra de amor e traição,
Ou do golfo no regaço
Relembra os versos de Tasso,
Junto às lavas do vulcão!

O Inglês - marinheiro frio,
Que ao nascer no mar se achou,
(Porque a Inglaterra é um navio,
Que Deus na Mancha ancorou),
Rijo entoa pátrias glórias,
Lembrando, orgulhoso, histórias
De Nelson e de Aboukir...
O Francês - predestinado -
Canta os louros do passado
E os loureiros do porvir!

Os marinheiros Helenos,
Que a vaga jônia criou,
Belos piratas morenos
Do mar que Ulisses cortou,
Homens que Fídias talhara,
Vão cantando em noite clara
Versos que Homero gemeu ...
Nautas de todas as plagas,
Vós sabeis achar nas vagas
As melodias do céu! ...

III

Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!
Desce mais ... inda mais... não pode olhar humano
Como o teu mergulhar no brigue voador!
Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras!
É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ...
Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!

IV

Era um sonho dantesco... o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...

Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!

E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais ...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...

Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!

No entanto o capitão manda a manobra,
E após fitando o céu que se desdobra,
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!..."

E ri-se a orquestra irônica, estridente. . .
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Qual um sonho dantesco as sombras voam!...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!...

V

Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!

Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são? Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa...
Dize-o tu, severa Musa,
Musa libérrima, audaz!...

São os filhos do deserto,
Onde a terra esposa a luz.
Onde vive em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão.
Ontem simples, fortes, bravos.
Hoje míseros escravos,
Sem luz, sem ar, sem razão...

São mulheres desgraçadas,
Como Agar o foi também.
Que sedentas, alquebradas,
De longe... bem longe vêm...
Trazendo com tíbios passos,
Filhos e algemas nos braços,
N'alma - lágrimas e fel...
Como Agar sofrendo tanto,
Que nem o leite de pranto
Têm que dar para Ismael.

Lá nas areias infindas,
Das palmeiras no país,
Nasceram crianças lindas,
Viveram moças gentis...
Passa um dia a caravana,
Quando a virgem na cabana
Cisma da noite nos véus ...
... Adeus, ó choça do monte,
... Adeus, palmeiras da fonte!...
... Adeus, amores... adeus!...

Depois, o areal extenso...
Depois, o oceano de pó.
Depois no horizonte imenso
Desertos... desertos só...
E a fome, o cansaço, a sede...
Ai! quanto infeliz que cede,
E cai p'ra não mais s'erguer!...
Vaga um lugar na cadeia,
Mas o chacal sobre a areia
Acha um corpo que roer.

Ontem a Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d'amplidão!
Hoje... o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar...

Ontem plena liberdade,
A vontade por poder...
Hoje... cúm'lo de maldade,
Nem são livres p'ra morrer...
Prende-os a mesma corrente
- Férrea, lúgubre serpente -
Nas roscas da escravidão.
E assim zombando da morte,
Dança a lúgubre coorte
Ao som do açoute... Irrisão!...

Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus,
Se eu deliro... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus?!...
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
Do teu manto este borrão?
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão! ...

VI

Existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa... chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto! ...

Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...

Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Como um íris no pélago profundo!
Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!

São Paulo, 18 de abril de 1869.

CASTRO ALVES

CASTRO ALVES

Poeta: 1847 – 1871

Fernando Correia da Silva

CRESCE, CRESCE, SEARA VERMELHA...
QUANDO TUDO ACONTECEU...

1847: A 14 de Março, na fazenda Cabaceiras, perto de Curralinho, Bahia, Brasil, nasce António Frederico de Castro Alves, filho de D. Clélia Brasília da Silva Castro e do Dr. António José Alves. – 1854: A família Alves vai morar em Salvador. – 1859: Morte de D. Clélia, mãe do poeta. – 1862: António Frederico de Castro Alves e o seu irmão José António vão estudar no Recife. – 1863: Castro Alves publica “A Canção do Africano”, os seus primeiros versos abolicionistas. Apaixona-se pela actriz portuguesa Eugénia Câmara. – 1864: Desequilíbrio mental e suicídio de José António. Castro Alves matricula-se no 1.º ano da Faculdade de Direito de Recife. Escreve o poema “O Tísico” (ao qual dará depois o título “Mocidade e Morte”). – 1865: Em Recife, na abertura do ano lectivo declama o poema “O Século”. Começa a elaborar os poemas de “Os Escravos”. – 1866: Morte do Dr. Alves, pai do poeta. Este matricula-se no 2.º ano de Direito. Com Rui Barbosa e outros colegas funda uma sociedade abolicionista. É um dos fundadores do jornal de ideias “A Luz”. No Teatro Santa Isabel declama o poema “Pedro Ivo”, grande sucesso. Torna-se amante da actriz Eugénia Câmara e entusiasma-se pela vida teatral. – 1867: Conclui o drama “Gonzaga”. Com Eugénia Câmara deixa Recife e instala-se na Bahia. Estreia de “Gonzaga” e consagração do poeta. Retira-se para a chácara da Boa Vista. – 1868: Viaja para o Rio de Janeiro. José de Alencar e Machado de Assis tomam contacto com a sua obra. Ainda com Eugénia Câmara viaja para São Paulo onde requer matrícula no 3º. Ano de Direito. Triunfo com a declamação de “O Navio Negreiro” em sessão magna. Sucesso de “Gonzaga” no Teatro de São José. Acidente de caça, tiro no calcanhar esquerdo. – 1869: Matricula-se no 4.º ano de Direito. A tísica progride, viaja para o Rio, hospeda-se na casa de um amigo. Amputação do pé esquerdo. Assiste ao desempenho de Eugénia Câmara, da qual se separara um ano antes. Torna à Bahia. – 1870: Pousa em Curralinho (hoje Castro Alves), sertão baiano, e depois na fazenda Sta. Isabel do Orobó (hoje Iteberaba). Regressa a Salvador da Bahia. Edição de “Espumas Flutuantes” – 1871: Apaixona-se pela cantora Agnese Trinci Murri. Agrava-se o seu estado de saúde. Morre a 6 de Julho.



DOIS CLANDESTINOS NA MÁQUINA DO TEMPO


A minha máquina do tempo às vezes derrapa e agita os paradoxos. Quando eu me preparo para descer na Bahia, em meados do século XIX, reparo que nas traseiras da cabina viajavam dois clandestinos. Um deles eu reconheço, já vi a sua fotografia, é o Tabarin, um Maestro italiano. De 1943 a 1948, no Conservatório de Santos, foi o professor de piano da minha mulher. Quando uma discípula começava a adocicar os nocturnos de Chopin, irritava-se, berrava, atirava pela janela as pautas da aluna... Quando eu parti (ou partirei?) o Maestro já tinha morrido. Portanto apanhou a máquina em andamento. Tal como eu fazia quando pulava para o estribo do eléctrico que passava (ou passará?) na rua da minha infância...

O outro eu não conheço mas tem, mais ou menos, a idade do Tabarin. Portanto, também ele apanhou a máquina em andamento. O Maestro dá-lhe o nome de Agripino e os dois conversam em italiano. Mas brasileiro será segundo, pois responde-me num português escorreito quando pergunto o que estão os dois a fazer ali:

- Queríamos ouvir Castro Alves declamando, por isso pegámos sua “carona”. Não leva a mal?

- Não, não levo a mal, bem entendo o vosso desejo, é justamente o meu.

Abro a porta da cabina. Acabo de arribar ao sertão baiano, bafo ardente. Antes de pôr o pé em terra, verifico: corre o ano de 1851.

A MUCAMA
Estou a poucas léguas de Curralinho, cidade que um dia virá a ser chamada Castro Alves. Mais precisamente: estou na comarca de Cachoeira, na freguesia de S. Pedro de Muritiba. Planura agreste, ventania a açoitar e ressecar moitas. À minha frente avisto a fazenda Cabaceiras, a senzala e a casa grande (que não é tão grande assim...). No alpendre, uma negra corpulenta embala um garotinho branco, irrequietos 4 anos. É a mucama Leopoldina ninando Secéu (assim lhe chamam os meninos da senzala e todos os familiares da casa grande, irmãos, pai e mãe). Secéu (que é o António Frederico de Castro Alves que eu demandava) escreverá mais tarde:

Junto ao fogo, uma africana,
Sentada, o filho embalando,
Vai lentamente cantando
Uma tirana indolente,
Repassada de aflição,
E o menino ri contente...
Mas treme e grita gelado,
Se das palhas do telhado
Ruge o vento do sertão.

A meu lado, comenta o Maestro Tabarin:

- Senhores e escravos, que tristeza...

- Maestro, vai-me desculpar mas a realidade não é contraste a preto e branco, há que ter olhinhos para apanhar os meios tons. Matizes, Maestro, matizes...

Intervém o Agripino:

- Tabarin, o português tem razão.

Vira-se para mim:

- Não se irrite, o Maestro desconhece a realidade brasileira deste século. Não quero ser indelicado mas acho que o melhor é irmos nós dois por um lado, para eu poder explicar tudo, em italiano, ao Tabarin, e Você ir por outro. Para si a busca será fácil; embora com pronúncia diferente, fala a mesma língua deste povo e conhece seus usos e costumes porque já andou pelo sertão daqui a cento e poucos anos, sei disso. Andou ou andará? Mas que bruta confusão...

- São os paradoxos do tempo, Agripino, não se aborreça. Boa excursão e até logo!

Abalam.

Os meios tons! Assinalo a convivência pacífica entre brancos e pretos que vivem na fazenda Cabaceiras, quando o habitual é mandar açoitar costas e nádegas de escravos relapsos, ou respondões, e depois esfregar com sal os ferimentos. O que me intriga é saber de onde brotou esta súbita humanidade. Então reparo em D. Clélia, senhora de saúde frágil, mãe de Secéu. É filha de José António da Silva Castro, o major “Periquitão”, o herói baiano das guerras da independência do Brasil. Começo a entender: primeiro a independência e depois, por arrasto, a expansão da liberdade... Também reparo no Dr. António José Alves, pai de Secéu. Médico formado na Bahia, foi depois estagiar em hospitais franceses - quem pagou a conta foi o futuro sogro, já que ele era moço pobre -. Hoje o doutor zela pela saúde de todos os habitantes da fazenda, os da casa-grande, mas igualmente os da senzala. É um homem de ciência mas foi também (e continuará a ser, nada se apaga...) o estudante apaixonada que pegou em armas contra as milícias do Doutor Sabino, caudilho que mandava violar cemitérios a que chamava de profanos, só a Igreja é que deveria tomar conta dos funerais... Fanatismo bento, confissão, confusão...

Mais tarde, em Salvador, o Dr. Alves irá cobrar preços simbólicos pelas suas consultas a escravos doentes, coerência.

Ânsias de liberdade e progresso, tal como na Europa, já começam pois a sacudir o Brasil, não tarda muito a maré-cheia...

Entretanto, no alpendre da casa-grande, Leopoldina, a mucama, acalentando Secéu, vai lentamente cantando uma tirana indolente, repassada de aflição, e o menino ri contente...

O GINÁSIO BAIANO

As crianças crescem, precisam de Escola. Em 1852 vejo a família Alves mudar-se, primeiro para Muritiba, depois para S. Félix (na margem do rio Paraguaçu) e, finalmente, em 54, para Salvador, onde o doutor abre um pequeno hospital no piso inferior do seu palacete da Rua do Paço.

Foi com saudade que Secéu partiu da fazenda Cabaceiras. Ali perto, em Curralinho, conhecera Leonídia Fraga, uma menina da sua idade, namoro de crianças. Irá reencontrá-la mais tarde.

Secéu e José António (o irmão mais velho) durante dois anos estudam no Colégio Sebrão. Depois o Dr. Alves matricula-os no Ginásio Baiano, fundado e dirigido por Abílio César Borges, o qual está a revolucionar a forma de ensino. Em vez de impingir o latinório do costume e zurzir os cábulas, trata mas é de premiar os alunos que mais se distinguem na interpretação de Virgílio, Horácio, Camões, Lamartine e Victor Hugo. Rui Barbosa (futuro líder republicano) e Castro Alves, para regozijo de colegas e professores, entram em frequentes despiques rimados. “Secéu” declama, veemência:

Se o índio, o negro africano,
E mesmo o perito Hispano
Tem sofrido servidão;
Ah! Não pode ser escravo
Quem nasceu no solo bravo
Da brasileira região!

O Ginásio Baiano é um viveiro de tribunos.

D. CLÉLIA
Em 1858 o Dr. Alves reconstrói o solar da chácara Boa Vista. Pretende que a sua esposa, exausta mãe de seis filhos, saúde frágil, ali repouse e ganhe forças. Em vão. D. Clélia falece em 1859.

Um desgosto e um problema: criar e educar seis filhos.

Três anos depois o Dr. Alves casa-se com viúva Maria Ramos Guimarães. Será ela o amparo das quatro crianças menores, um rapaz e três meninas, Guilherme, Elisa, Adelaide e Amélia.

No dia seguinte ao casamento do pai, os dois filhos mais velhos embarcam para o Recife. Ali irão preparar-se para a admissão à Faculdade de Direito. José António vai perturbado e ninguém consegue identificar os motivos da perturbação.


EU SEI QUE VOU MORRER

Castro Alves, o Secéu, tem 15 anos e é dono do seu nariz, inteira liberdade, o pai está longe. Acha Recife uma cidade insípida. Escreve a um amigo na Bahia:

“Minha vida passo-a aqui numa rede, olhando o telhado, lendo pouco, fumando muito. O meu ‘cinismo’ passa a misantropia. Acho-me bastante afectado do peito, tenho sofrido muito. Esta apatia mata-me. De vez em quando vou à Soledade."

É de curta duração a apatia de Secéu. O bairro da boémia, desamparo, Soledade, mas depois a Rua do Lima, no bairro de Sto. Amaro. Ali o poeta procura uma Idalina que o aconchega em sua cama...

São noivos – as mulheres murmuravam!
E os pássaros diziam: - São amantes!

Estroina, mau estudante, reprovação, falhado ingresso na Faculdade de Direito. Mas antes de ser “calouro”, já começa a ser notado como poeta, “A Destruição de Jerusalém”, o “Pesadelo”, “A Canção do Africano”, aplausos da mocidade inconformada.

Começa a frequentar o Teatro Santa Isabel. Fica fascinado por Eugénia Câmara, a Dama Negra, a actriz portuguesa que, de forma gaiata, domina o palco.

Recorda-te do pobre que em silêncio
De ti fez o seu anjo de poesia,
Que tresnoita cismando em tuas graças,
Que por ti, só por ti, é que vivia,
Que tremia ao roçar do teu vestido,
E que por ti de amor era perdido...

Mas, na ribalta, também a actriz Adelaide Amaral disputa o coração dos espectadores (jornalistas, escritores, artistas, estudantes muitos). Duas claques aguerridas, vaias, aplausos, pateadas, loas e cantigas de escárnio, bebedeiras no fim da noite. Na manhã seguinte, nos jornais, elogios e doestos, ora a uma, ora a outra. Tobias Barreto é o chefe da claque pró Adelaide. Castro Alves o da claque pró Eugénia. Esta é amante do actor Furtado Coelho, do qual tem uma filha pequena. O que não trava os avanços do Secéu, adolescente sedutor, porte esbelto, tez pálida, olhos grandes, cabeleira farta e negra, voz possante, sempre vestido de preto, elegância, nostalgia. Embora tenha 10 anos mais do que o poeta, a Dama Negra não se esquiva; do romance que desponta, adia apenas a florada.

1864: aos 17 anos Castro Alves é finalmente admitido na Faculdade de Direito

A 9 de Novembro sente uma forte dor no peito:

E eu sei que vou morrer... dentro em meu peito
Um mal terrível me devora a vida:
Triste Ahasverus, que no fim da estrada,
Só tem por braços uma cruz erguida.

Sou o cipreste que inda mesmo flórido
Sombra de morte no ramal encerra.
Vivo vagando sobre o chão da morte,
Morto entre vivos a vagar na terra.

Mas dirá depois: “Para chorar as dores pequenas, Deus criou a afeição; para chorar a humanidade – a poesia.”

POETA-CONDOR
Se o mal de peito lhe vai roubar tempo de vida, então há que vivê-lo intensamente... O poeta alarga a sua dor pequena às dores da humanidade. Ei-lo a declamar “O Século”:

O Século é grande... No espaço
Há um drama de treva e luz.
Como Cristo - a liberdade
Sangra no poste da cruz.
(...)

A escandalizar:

Quebre-se o ceptro do Papa,
Faça-se dele uma cruz.
A púrpura sirva ao povo
Pra cobrir os ombros nus.

E, com “Os Escravos”, a amedrontar até os abolicionistas moderados:

(...)
Somos nós, meu senhor, mas não tremas,
Nós quebramos as nossas algemas
Pra pedir-te as esposas ou mães.
Este é o filho do ancião que mataste.
Este - irmão da mulher que manchaste...
Oh, não tremas, senhor; são teus cães.
(...)
Cai, orvalho de sangue do escravo,
Cai, orvalho na face do algoz,
Cresce, cresce, seara vermelha,
Cresce, cresce, vingança feroz.
(...)

Tribuno, poeta-condor a adejar sobre a multidão em delírio, ovações, são as ânsias de liberdade a sacudir o Brasil.

PRESSA
Tem pressa, a sua vida está a esvair-se mas, vez por outra, é obrigado a parar. É quando em 1864 José António, o seu perturbado irmão, se suicida em Curralinho. É quando, em 1866, falece o Dr. Alves, o seu pai, e ele, então de férias na Bahia, a assistir ao passamento.

Mas reage, não tem tempo a perder. É vizinho das Amzalack, três irmãs judias. Manda-lhes um poema, elas que decidam qual a destinatária (talvez seja a Esther):

Pomba d’esp’rança sobre um mar d’escolhos!
Lírio do vale oriental, brilhante!
Estrela vésper do pastor errante!
Ramo de murta a recender cheirosa!...
Tu és, ó filha de Israel formosa...
Tu és, ó linda sedutora Hebreia...
Pálida rosa da infeliz Judéia
Sem ter o orvalho, que do céu deriva!

Retorna ao Recife, matricula-se no 2.º ano de Direito. Com Rui Barbosa e outros colegas funda uma sociedade abolicionista. No Teatro Santa Isabel declama o poema “Pedro Ivo”, exaltação do herói da revolta Praieira e do ideal republicano:

Cabelos esparsos ao sopro dos ventos,
Olhar desvairado, sinistro, fatal,
Diríeis estátua roçando nas nuvens,
Pra qual a montanha se fez pedestal.
(...)
República! Voo ousado
Do homem feito condor!
(...)

Consolidará a imagem:

A praça! A praça é do povo
Como o céu é do condor...

Participa na fundação do jornal de ideias “A Luz”.

Torna-se amante de Eugénia Câmara e convence-a a fugir com ele para,

(...) A todos sempre sorrindo,
Bem longe nos ocultar...
Como boémios errantes,
Alegres e delirantes
Por toda a parte a vagar.

Pressa, tem muita pressa. Escreve, em prosa, o drama “Gonzaga” ou “A Revolução de Minas”. Organiza manifestação contra o espancamento de um estudante republicano. Em Maio de 67 abandona, de vez, o Recife. Viaja, com Eugénia, para a Bahia. Mudam-se para a chácara Boa Vista. Um cão de guarda, já muito velho, vem lamber-lhe a mão. Memórias, melancolia...

A erva inunda a terra; o musgo trepa os muros;
A urtiga silvestre enrola em nós impuros
Uma estátua caída, em cuja mão nevada
A aranha estende ao sol a teia delicada.

No Teatro São João, Eugénia desempenha o principal papel feminino do “Gonzaga”. Sucesso, consagração do autor em cena aberta, embora as senhoras da capital baiana torçam o nariz à ligação do poeta com uma “cómica de má vida”.

Mas na Bahia o ambiente é acanhado, a vida é lenta e ele tem pressa, tem muita pressa. Em Fevereiro de 68 Castro Alves e Eugénia partem para o Rio de Janeiro.

RIO DE JANEIRO
José de Alencar e Machado de Assis louvam a poesia de Castro Alves. Entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tábua Cronológica.
Na capital procura José de Alencar e o autor de “Iracema” deixa-se cativar pelo fluxo verbal do poeta. Apresenta-o a Machado de Assis. Dirá este:

- Achei uma vocação literária cheia de vida e robustez, deixando antever nas magnificências do presente as promessas do futuro.

Também em Lisboa, Eça de Queirós ao ler, para um amigo, o poema “Aves de Arribação”

(...) Às vez quando o sol nas matas virgens
A fogueira das tardes acendia... (...)

comentará:

- Aí está, em dois versos, toda a poesia dos trópicos.

Ainda em Portugal, afirmará António Nobre:

- O maior poeta brasileiro.

Na redacção do Diário do Rio de Janeiro, Castro Alves lê, para outros homens de letras, o seu “Gonzaga”. Sucesso!

Mas a glória popular é quando, da varanda do mesmo jornal, na Rua do Ouvidor, centro da Capital, declama para a multidão as estrofes do “Pesadelo de Humaitá”, em que celebra o feito da esquadra brasileira na Guerra do Paraguai:

Fere estes ares, estandarte invicto!
Povo, abre o peito para nova vida!
Talvez agora o pavilhão da pátria
Açoite altivo Humaitá rendida.
Sim! pela campa dos soldados mortos,
Sim! pelo trono dos heróis, dos reis;
Sim! pelo berço dos futuros bravos,
O vil tirano há-de beijar-lhe os pés.

S. PAULO
Em Março de 68, Eugénia Câmara e Castro Alves viajam para São Paulo. Ali, na Faculdade do Largo de S. Francisco, o poeta pretende concluir o curso de Direito. Porém, mais do que o estudo, mobilizam-no os grandes ideais da Abolição e da República, também a agitação académica a fluir das arcadas da Faculdade. Em sessão magna, pela primeira vez declama o “Navio Negreiro”:

Era um sonho dantesco... O tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho,
Em sangue a se banhar,
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite
Horrendos a dançar...

Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães;
Outras, moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!

E ri-se a orquestra irónica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doidas espirais...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais.

Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que de martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!

No entanto, o capitão manda a manobra,
E após, fitando o céu que se desdobra
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
“Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!...”

E ri-se a orquestra irónica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doidas espirais...
Qual num sonhos dantesco as sombras voam!
Gritos, ais, maldições, preces ressoam
E ri-se Satanás!...

Conclui o poeta:

Auriverde pendão da minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra,
E as promessas divinas da esperança...
Tu, que da liberdade após a guerra,
Foste hasteada dos heróis na lança,
Ante te tivessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!

Dirá Joaquim Nabuco: “Quem visse Castro Alves em um desses momentos em que se inebriava de aplausos, vestido de preto para dar à fisionomia um reflexo de tristeza, com a fronte contraída como se o pensamento a oprimisse, com os olhos que ele tinha profundos e luminosos fixos em um ponto do espaço, com os lábios ligeiramente contraídos de desdém ou descerrados por um sorriso de triunfo, reconheceria logo o homem que ele era: uma inteligência aberta às nobres ideias, um coração ferido que se procurava esquecer na vertigem da glória.”

Esquecer o quê? Talvez a tuberculose que vai minando os seus pulmões, talvez o arrefecimento do amor de Eugénia Câmara. A Dama Negra está a envelhecer e corre em busca da juventude, erotismo, aventuras várias. Ciúmes de Castro Alves, violência e mágoa, reconciliações, sensualidade:

É noite ainda! Brilha na cambraia
- desmanchado o roupão, a espádua nua -
O globo do teu peito entre os arminhos
Como entre as névoas se balança a lua...

O par separa-se em Setembro de 68. Encontram-se, pela última vez, em Outubro, quando Eugénia sobe ao palco do Teatro São José para, mais uma vez, interpretar o principal papel feminino do “Gonzaga”.

Isolamento, melancolia, tabaco, nuvens de fumo, mal agravado.

Armado, o poeta passeia pelas várzeas do Brás, caçar é distracção. Ao saltar uma vala, tropeça, a espingarda dispara-se e o tiro acerta-lhe no calcanhar esquerdo. Dores, infecção, o pé terá de ser amputado. Mas a operação deverá ocorrer no Rio, pois o clima húmido de São Paulo agrava-lhe o mal do peito.


O DERRADEIRO ENCONTRO

"Não quero mais o teu amor", diz Castro Alves para Eugénia Câmara. Entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tábua Cronológica.

O poeta é levado para a Capital em Maio de 69. Fica hospedado na casa do seu amigo Cornélio dos Santos.

Amputação do pé, porém a frio, o seu estado de fraqueza desaconselha o uso do clorofórmio. Galhofa é o escudo contra a dor:

- Corte-o, corte-o, doutor... Ficarei com menos matéria do que o resto da Humanidade.

Valem depois ao poeta os muitos amigos que o cercam durante a longa convalescença.

17 de Novembro de 69: Castro Alves enfia a perna esquerda num botim recheado de algodão, assim disfarça o defeito. Apoiado numa muleta, aí vai ele assistir a um espectáculo de Eugénia Câmara no Teatro Fénix Dramática. Os dois antigos amantes têm ainda uma troca de palavras. Dessa última conversa sobram versos, apenas:

Quis te odiar, não pude. – Quis na terra
Encontrar outro amor. – Foi-me impossível.
Então bem disse a Deus que no meu peito
Pôs o germe cruel de um mal terrível.

Sinto que vou morrer! Posso, portanto,
A verdade dizer-te santa e nua:
Não quero mais o teu amor! Porém minh’alma
Aqui, além, mais longe, é sempre tua.

Uma semana depois embarca para a Bahia. Doente, e aleijado, o poeta retorna a casa.


A BAHIA - O SERTÃO
Castro Alves recorda a sua infância. Entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tábua Cronológica.
Recebido efusivamente por Maria (a madrasta) por Augusto Álvares Guimarães (o cunhado e grande amigo), por Guilherme (o irmão), e por Elisa, Adelaide (esposa de Augusto) e Amélia, as três irmãs que o endeusam.

É curta a permanência de Castro Alves em Salvador. Apenas o tempo necessário para coligir os poemas para a edição de “Espumas Flutuantes”. Relembra São Paulo, onde alcançara a glória, nostalgia:

Tenho saudades das cidades vastas
Dos ínvios cerros, do ambiente azul...
Tenho saudades dos cerúleos mares,
Das belas filhas do país do sul.

Tenho saudades de meus dias idos
- Pét’las perdidas em fatal paul -
Pét’las que outrora desfolhámos juntos,
Morenas filhas do país do sul.

Depois abala para o sertão onde, segundo os médicos, o clima seco será mais favorável aos seus pulmões. Passará o tempo a escrever e a desenhar.

Em Curralinho, o comovido reencontro com a paisagem e a memória da infância:

Hora meiga da Tarde! Como é bela
Quando surges do azul da zona ardente!
Tu és do céu a pálida donzela
Que se banha nas termas do oriente...
Quando é gota do banho cada estrela
Que te rola da espádua refulgente...
E, - prendendo-te a trança a meia lua,
Te enrolas em neblinas seminua!...

Eu amo-te, ó mimosa do infinito!
Tu me lembras o tempo em que era infante.
Inda adora-te o peito do precito
No meio do martírio excruciante;
E, se não te dá mais da infância o grito
Que menino elevava-te arrogante,
É que agora os martírios foram tantos,
Que mesmo para o riso só tem prantos!...
(...)

E na fazenda de Sta. Isabel do Orobó, o reencontro com Leonídia Fraga, sua prometida de menino e hoje donzela airosa que por ele esperara sempre. Reacender a paixão primeira? Para quê, se a morte ronda? A si mesmo diz o poeta:

Talvez tenhas além servos e amantes,
Um palácio em lugar de uma choupana.
E aqui só tens uma guitarra e um beijo,
E o fogo ardente de ideal desejo
Nos seios virgens da infeliz serrana!

Leonídia, a “infeliz serrana”, ficará para sempre à sua espera. Acabará por enlouquecer.


AGNESE


Fizeram-lhe bem os ares do sertão, sente-se melhor e regressa a Salvador.

As “Espumas Flutuantes” são editadas, correm de mão em mão e o poeta é saudado e louvado em cada esquina.

Apaixona-se por Agnese Trinci Murri, alta, alva, bela viúva florentina, cantora lírica que se deixara ficar na Bahia para ensinar piano às meninas da alta roda. A italiana aceita, vagamente, a corte do poeta, mas não embarca em aventuras, quer manter o seu bom nome.

No camarote gélida e quieta
Por que imóvel assim cravas a vista?
És o sonho de neve de um poeta?
És a estátua de pedra de um artista?

Renascera contudo o optimismo e o poeta tornara ao teatro, longe já vai o tempo da Dama Negra... Ouve recitar a sua “Deusa Incruenta”, exaltação do papel educativo da Imprensa:

Oh! Bendito o que semeia
Livros à mão cheia
E manda o povo pensar!
O livro, caindo n’alma
É germe – que faz a palma,
É chuva – que faz o mar!

E em Outubro de 70 é ele mesmo quem declama, no comício de apoio às vítimas francesas das tropas de Bismarck:

Já que o amor transmudou-se em ódio acerbo,
Que a eloquência é o canhão, a bala - o verbo,
O ideal – o horror!
E, nos fastos do século, os tiranos
Traçam co’a ferradura dos uhlanos
O ciclo do terror...
(...)
Filhos do Novo Mundo! Ergamos nós um grito
Que abafe dos canhões o horríssono rugir,
Em frente do oceano! Em frente do infinito
Em nome do progresso! Em nome do porvir!

É a sua última aparição em público. O estado de saúde agrava-se. Recolhe-se à casa da família. Em 71, na noite de 23 de Junho aproxima-se da varanda. O fumo das fogueiras de São João provoca-lhe um acesso de tosse que o deixa prostrado. Febre alta, hemoptises. Ordena a Adelaide que impeça a visita de Agnese. Não consente que a Diva derradeira contemple a sua ruína física. A 6 de Julho pede que o sentem junto a uma janela ensolarada. A contemplar o longe, morre às 3 e meia da tarde. 24 anos, vida breve, intensidade.

* * *

Quando me aproximo da máquina do tempo, os dois clandestinos já estão à minha espera para regressarem ao futuro. Sei que, durante a viagem, irão misteriosamente desaparecer como, na vinda, misteriosamente apareceram na cabina. Entusiasmo do Maestro Tabarin:

- Vigoroso e revolucionário Castro Alves! Um romântico sem açúcar... Tal e qual Chopin...

E o outro? Puxei pela memória e agora já sei quem é: Agripino Grieco, brasileiro, crítico de língua afiada. Sobre o que viu e ouviu tem, obviamente, uma opinião. Definitiva, como são todas as suas:

- Castro Alves não foi um homem, foi uma convulsão da natureza.

Maria Bethania: Baila comigo/Shangrilá

MARIA BETHANIA

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

DIA DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS







O TEMPO

O tempo

Tudo tem a sua ocasião própria, e há tempo para todo propósito debaixo do céu.
Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou;
Há tempo de adoecer, e tempo de curar; tempo de derrubar, e tempo de edificar;
Há tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar;
Há tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntá-las; tempo de abraçar, e tempo de abster-se de abraçar;
Há tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de jogar fora;
Há tempo de rasgar, e tempo de coser; tempo de estar calado, e tempo de falar;
Há tempo de amar, e tempo de odiar; tempo de guerra, e tempo de paz.

(Eclesiastes 3:1-8)

'O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem.
Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis."

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

MARIA BETHANIA ANIVERSARIO & CURUMINHA


MARIA BETHANIA MANINHA

MARIA BETHANIA & CAETANO VELOSO ADEUS MEU SANTO AMARO


SOBRE FERNANDO PESSOA

Fernando Pessoa nasceu em Lisboa a 13 de Junho de 1888, no seio de uma família com origens na pequena nobreza. A mãe, Maria Madalena Pinheiro Nogueira, era uma mulher culta e inteligente, com preocupações intelectuais. O pai era, igualmente, um homem culto e sensível, tendo desempenhado as funções de crítico musical no Diário de Notícias. Morreu em 1893, vítima de tuberculose, tinha Fernando Pessoa 6 anos. Este facto interrompeu uma infância feliz do poeta e obrigou a sua família a vender a casa e a mudar-se para uma habitação mais modesta. Um ano depois, morre também o seu irmão mais novo.Em 1895, a sua mãe casa com o comandante João Miguel Rosa, cônsul de Portugal em Durban, na África do Sul, acontecimento este que obriga a família, a abandonar Portugal. Durante cerca de dez anos, Fernando Pessoa faz os seus estudos no convento de West Street e no liceu de Durban, obtendo sempre excelentes classificações e ganhando inclusivamente um prémio, o Queen Victoria Memorial Prize, prémio este relativo a um ensaio em inglês. Apesar do sucesso escolar, Fernando Pessoa era um jovem introspectivo e melaa publicou também poemas, folhetos, manifestos, textos de natureza diversa, desde religiosos até de natureza económica ou policiais e, em 1934, a Mensagem.

Embora não tendo casado, Fernando Pessoa namorou com Ofélia Queirós durante alguns meses, em 1920 e, mais tarde, entre 1929 e 1930. Os seus últimos anos foram marcados pela solidão, por uma grande perturbação psicológica e por um excesso de álcool, que esteve na origem de uma grave crise hepática, a qual lhe provocaria a morte, a 30 de Novembro de 1935. Fernando Pessoa está, como Camões, sepultado no Mosteiro dos Jerónimos.




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Apresentação humana de Fernando Pessoa
Desde a sua adolescência que Fernando Pessoa dialogou, entre o orgulho e a agonia, com a convicção de ter sido marcado pelo génio, e quis realizar uma obra de superior destino, que antepôs a qualquer satisfação possível. Sendo Fernando Pessoa um sonhador, este facto sustentou-lhe a escolha de uma existência à margem da sua classe natural e oposta à da sua família, à qual, sempre permaneceu vinculado por um formalismo comedido e aristocrático que não cumpria extremamente. Dentro do exílio, que foi o da sua vontade, a sua diferença, inclinou-se a pretexto da sua força oculta, a de ser poeta, e quotidianamente cumpriu exemplarmente a função de escrever. Foi um homem que se contentou com uma história sem brilhos e sem misérias espetaculares, e que preferiu uma vida secreta e sem importância, em poesia, como em vida, cumpriu, enganou-se, falhou, sabendo-o sempre, com a incómoda evidência da previsão e comentário com que se julgava, e nem sequer teve ilusões satisfatórias fosse até acerca da glória que finalmente desejava para o que escrevia. A sua presença sempre se volveu estranha, pela forma de reserva inesperada, pelas bruscas confidencias intempestivas, pelo pudor defendido como uma aparência às avessas, e temperado com um humorismo irónico, de desencanto e defesa. Foi o próprio Fernando Pessoa que revelou, à luz desfavorável do artifício e do exagero, os seus tiques e os seus hábitos com que a censura se entretivesse no que ter à dizer dele. Gostava de manter intocáveis a sua intimidade e a vida privada, limpa, facilitando o pitoresco e a anedota com que o desconhecessem sem, contudo, o mentirem.

No entanto o cenário que o rodeou e a personagem na qual se transformou aos poucos, são adaptáveis à ideia do tipo que nós fazemos da sua existência de homem de letras, embora singular. Sem que seja preciso grande esforço ou grande imaginação, reencontramos a atmosfera dos cafés habituais da Baixa cidade de Lisboa, que ele frequentava como cliente modesto entre as horas de presença dos escritórios próximos, e como intelectual às horas dos intelectuais. Aí o distinguimos, vestido de escuro e refugiado no gesto imóvel de cruzar os pés sob a mesa, e inclinar a cabeça a qual apoiava numa das mãos. Reconhecemos o seu ar de secreta e vaga ausência, a sua distraída contemplação, o seu lento sorriso silencioso ou uma pequena gargalhada nervosa. A imagem assim obtida, leva-nos do autor à obra e da obra ao autor, num vaivém de interferencias do conhecimento que temos. Qualquer decifração que se pretenda fazer incidir sobre a personalidade humana que permitiu uma tal personalidade literária, está por força presa à declarada relevância da segunda sobre a primeira.

Fernando Pessoa na sua convenção de atitudes e aparências, no processo da literatura, é deduzível da interpretação do seu génio.




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A "Mensagem" de Fernando Pessoa

A "Mensagem" é um poema lírico-épico que tem como receptor o próprio país, repetindo e trasfigurando a história da pátria portuguesa como sendo o mito do nascimento, vida e morte, que será seguida de um renascimento. De certa forma, podemos considerá-la uma versão moderna e espiritualista dos Lusíadas, onde Fernando Pessoa demonstra o seu caractér patriótico, sebastianista e regenerador. Embor esta epopeia tenha sido considreada durante muito tempo fascista, ela não serve nenhum ideal político, nem se restringe a nenhum tempo particular. A sua concepção mitológica e histórica transporta uma realidade que vive para além das cordenadas de tempo.

O Português surge nesta obra como um herói épico, que procura desvendar e dominar o Mundo que não conhece, dominado por um sentimento de insatisfação permanente.

Valeu a pena?Tudo vale a pena

Se a alma não é pequena

Os Mitos expressos poeticamente na "Mensagem", são aqueles levados a cabo durante os Descobrimentos. Ao real captado pelo poeta desde as origens, corresponderá igualmente uma viagem espiritual de um sujeito poético que estará presente em toda a obra, o próprio Fernando Pessoa. Subjacente a toda a obra, estará uma carga pessoal de confissão do sentimento do poeta.

As poesias que pertencem a esta obra foram escritas entre 1913 e 1934, ano da sua publicação, sendo esta a única obra publicada ainda em vida do poeta.

A obra está dividida em três partes, Brasão, Mar Português, O Encoberto, tendo cada uma das partes cerda de dez a vinte poemas, numa estrutura circular a nível da estrutura interna. Da primeira parte fazem parte poemas sobre o período áureo português e sobre as figuras míticas da história. No Mar Português aparecem poemas relacionados com a época dos Descobrimentos e que demonstram a importância da Nação Portuguesa. Na terceira parte, que se denomina de O Encoberto, o poeta espera um Messias que retire o país do declínio e do marasmo em que se encontra, provocado pela própria sociedade.

Considerando a estrutura da "Mensagem" como a de um mito da teoria das Idades do Mundo, poder-se-á dividir a estrutura de uma forma tripartida. O Brasão representará os fundadores e o nascimento da Pátria Portuguesa, numa análise da missão profética de Portugal. O Mar Português será a realização e a vida desse herói épico, que passa por provas e sofrimentos para "dar novos Mundos ao Mundo". O O Encoberto é o fim das energias, a morte que já contém em si o novo ciclo que se anuncia, o Quinto império. Desta forma, esta terceira parte surge com um aviso do poeta, para que o país modifique as mentalidades e saía do declínio.

E a nossa grande Raça partirá em busca de um Índia nova, que não existe no espaço, em naus que são construídas "daquilo que os sonhos são feitos".




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Explicação da heterónímia

Heterónimo é uma palavra de origem grega que significa, literalmente, "outros (heteros) nomes (onyma)", mas, na realidade, designa outras personalidades. Aquelas que a imaginação de Fernando Pessoa concebeu. Ou seja, o poeta divide-se em poetas, cada um com uma personalidade e uma obra própria. Enquanto o pseudónimo é um nome atrás de um nome falso, o heterónimo é algo muito mais complexo, pois implica a invenção de uma biografia totalmente nova para um poeta, com um estilo e uma visão de mundo muito específica.

Aí por 1912, salvo erro (que nunca pode ser grande), veio-me à ideia escrever uns poemas de indole pagã. Esbocei umas coisas em verso irregular (não no estilo de Álvaro de Campos, mas num estilo de meia regularidade), e abandonei o caso. Esboçara-se-me, contudo, numa penumbra mal urdida, um vago retrato da pessoa que estava a fazer aquilo. (Tinha nascido, sem que eu soubesse, o Ricardo Reis).
Ano e meio, ou dois anos depois, lembrei-me um dia de fazer uma partida ao Sá-Carneiro - de inventar um poeta bucólico, de espécie complicada, e apresentar-lho, já me não lembro como, em qualquer espécie de realidade. Levei uns dias a elaborar o poeta mas nada consegui. Num dia em que finalmente desistira - foi em 8 de Março de 1914 - acerquei-me de uma cómoda alta, e, tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim. Abri com um título, "O guardador de Rebanhos". E o que se seguiu foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o nome de Alberto Caeiro.
Desculpe-me o absurdo da frase: aparecera em mim o meu mestre. Foi essa a sensação imediata que tive. E tanto assim que, escritos que foram esses trinta poemas, imediatamente peguei noutro papel e escrevi, a fio, também, os seis poemas que constituem a "Chuva Oblíqua", de Fernando Pessoa. Imediatamente e totalmente... Foi o regresso de Fernando Pessoa Alberto Caeiro a Fernando Pessoa ele só. Ou, melhor, foi a reacção de Fernando Pessoa contra a sua inexistência como Alberto Caeiro.
Aparecido Alberto Caeiro, tratei logo de lhe descobrir - instinta e subconscientemente - uns discípulos. Arranquei do seu falso paganismo o Ricardo Reis latente, descobri-lhe o nome, e ajustei-o a si mesmo, porque nessa altura já o "via". E, de repente, e em derivação oposta à de Ricardo Reis, surgiu-me impetuosamente um novo indivíduo. Num jacto, e à máquina de esvrever, sem interrupção nem emenda, surgiu a "Ode Triunfal" de Álvaro de Campos - a Ode com esse nome e o homem com o nome que tem.
Criei, então, uma "coterie" inexistente. Fixei aquilo tudo em moldes de realidade. Guardei as influências, conheci as amizades, ouvi, dentro de mim, as discussões e as divergências de critérios, e em tudo isto me parece que fui eu, criador de tudo, o menos que ali houve. Parece que tudo se passou


independentemente de mim. E parece que assim ainda se passa. Se algum dia eu puder publicar a discussão entre Ricardo Reis a Álvaro de Campos, verá como eles são diferentes, e como eu não sou nada na matéria.
(Extracto de uma carta a Adolfo Casais Monteiro - 1935)
Qual seria a razão para Fernando Pessoa inventar heterónimos?

O próprio Fernando Pessoa confessa que, enquanto criança, tinha uma grande tendência para simular. Como menino solitário que era, inventou companheiros para brincar, um dos quais Chevalier de Pas. Mas esta explicação é insuficiente e não resolve o problema. Para muitos estudiosos os heterónimos poderiam ser autenticas máscaras (como curiosidade note-se que o sobrenome do poeta vem da palavra latina persona, que significa "máscara"). Escondido atrás dela, o poeta oculta a sua personalidade para revelar aspectos múltiplos da realidade. A consequência disto é que Fernando Pessoa passou a vida a inventar heterónimos. Para além dos mais conhecidos, que são Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos, salientam-se Bernardo Soares, Alexander Search (o qual só escrevia em inglês), Vicente Guedes, António Mora, entre muitos outros.




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Alguns heterónimos de Fernando Pessoa

Alberto Caeiro



O grau zero da escrita

Alberto Caeiro é um dos heterónimos de Fernando Pessoa.

De acordo com o seu criador, nasceu em Lisboa em Abril de 1889, mas viveu quase toda a sua vida no campo, na quinta do Ribatejo que pertencera aos pais. Como não teve profissão viveu de uns pequenos rendimentos, morreu tuberculoso na cidade de Lisboa em 1915.

Fernando Pessoa cria uma biografia de Caeiro que se encaixa com perfeição na sua poesia. Escreve com uma linguagem simples e com o vocabulário limitado de um poeta camponês pouco ilustrado. Só com a instrução primária. Antimetafísico, pratica o realismo sensorial, numa atitude de rejeição às elucubrações do Simbolismo. Afirma que "pensar é estar doente dos olhos", e quer apenas sentir a natureza. Em perfeita consonância com a sua busca de simplicidade, escreve versos livres e brancos. Agnóstico, escreve um poema ousado sobre o menino Jesus. Destituído de santidade, Cristo é representado como criança normal: espontânea, levada, brincalhona e alegre. Nisso está a religiosidade de Caeiro.

Há dois Caeiro, o poeta e o pensador, sendo o primeiro que se desdobra no segundo, em teoria. Segundo a imagem que dá dele próprio, vive de impressões, sobretudo visuais, e goza em cada impressão o seu conteúdo original. Não admite a realidade dos números e não quer saber de passado nem de futuro, pois considera que recordar é atraiçoar a Natureza.

No Poema dum Guardador de Rebanho declara-se pastor por metáfora. O andar constante e sem destino, absorvido pelo espetáculo da inesgotável variedade das coisas. Os seus pensamentos não passam de sensações. Limita-se a existir, com um sorriso de existir e não de nos falar.

Caeiro surge, pois, como lírico espontâneo, instintivo, inculto, impessoal e forte, mas muitas vezes, a simplicidade quase infantil do estilo, pobre de vocabulário, consegue exprimir a infinita diversidade, as incontáveis metamorfóses do mundo. A sua poesia, na caracterização que dela faz o próprio Fernando Pessoa, «é de estilo bucólico e de espécie complicada».




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Ricardo Reis


Ricardo Reis nasceu no Porto. Foi educado num colégio de jesuítas, é médico e vive no Brasil desde 1919, pois expatriou-se espontâneamente por ser monárquico. Latinista por educação alheia e um semi-helenista por educação própria. Discípulo de Alberto Caeiro, Ricardo Reis retoma o fascínio do mestre pela natureza pelo viés do Neoclassicismo. Insiste no Locus Amoenus e no Carpe Diem. A sua linguagem é clássica e o vocabulário, erudito. Apropriadamente, os seus poemas são metrificados e têm uma sintaxe tortuosa. Traduz o agnosticismo de Alberto Caeiro em paganismo, recorrendo aos deuses gregos nos seus poemas.

Ricardo Reis não é um homem de ressentimento e cálculo, experimenta a dor da

nossa miséria estrutural, sofre as ameaças da velhice e da morte. Vai à conquista do prazer relativo, sempre moldado pela tristeza de saber o que é. Sente-se estrangeiro no mundo, incomunicável, recolhe-se com orgulho ao castelo interior. Assim, angustiado perante um Destino mudo que o arrasta na voragem, Ricardo Reis procura na sabedoria dos antigos gregos e romanos um remédio para os seus males. Confessa nas suas poesias que prefere o presente precário a um futuro que teme porque desconhece.

Na poesia de Ricardo Reis é constante a desconfiança perante a Fortuna, os sentimentos fortes, o prazer. Diz a sabedoria antiga que a Fortuna é traiçoeira e nada devemos esperar que não provenha de nós próprios. Assim a felicidade consiste em gozar ao de leve os instantes volúveis, procurando o mínimo de dor ou gozo. É contemplativo ,extremamente pobre de calor afectivo, sem amizades que transpareçam na poesia, e sem a capacidade para o amor autêntico.

Ricardo Reis parece existir apenas em função do problema crucial de remediar o sentimento da fraqueza humana e da inutilidade de agir por meio de uma arte de viver que permita chegar à morte de mãos vazias e com um mínimo de sofrimento.




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Álvaro de Campos


O Engenheiro e o Poeta

Heterónimo de Fernando Pessoa. Nasceu em 1890 segundo criação do autor, poeta «sensacionista». Oscila entre o estilo torrencial em que canta as sensações da vida moderna, mecânica, febril, caindo depois na sonolência, no tédio, em que se interroga sobre o absurdo da existência.

Álvaro de Campos é considerado o mais moderno dos heterónimos de Fernando Pessoa. Engenheiro naval, possuidor de três fases: a do Opiário; a mecanicista, whitmaniana; e a do sono e cansaço, a partir de " A Casa Branca, Nau Preta", poema escrito em 11 de outubro de 1916.

A primeira fase, é composta pelo poema Opiário e por dois sonetos. A segunda fase compõe-se dos seguintes poemas: Ode Triunfal, Dois Excertos de Odes, Ode Marítima, Saudação a Walt Whitman e Passagem das Horas. Com exceção do segundo poema, predomina nesta fase o espírito nietzschiano, a inspiração de Walt Whitman e do Futurismo italiano de Marinetti , que se aclimata ao caso português através do Sensacionalismo, concebido em resumo como intelectualização da sensação.

Características marcantes da segunda fase, foram as de desordem de sensações, a inquietude do após-guerra, dinamismo e a integração na civilização da máquina. Homem da cidade, Álvaro de Campos desumaniza-se, ao tentar explicar a lição sensacionista de Alberto Caeiro ao mundo da máquina. Não consegue acompanhar como um super-homem a pressa mecanicista, e deprime-se, chegando a escrever um poema dedicado a Alberto Caeiro, apesar do respeito ao mestre, apresenta-lhe queixas.

Surge a terceira fase de Campos sobretudo devido à falta de adaptação às teorias de Caeiro e à desilusão própria após-guerra. Esta fase é marcada pela revolta, pelo inconformismo, enternecimento moralista, senso de fragilidade humana e senso do real, desprezo ao mito do heroísmo, torpor expresso em sono e cansaço e a preocupação com o existencial. Em resumo esta é a imagem de uma das personalidades mais expressivas de Fernando Pessoa.




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Bernardo Soares



É um semi-heterónimo de Fernando Pessoa "porque - como afirma o seu próprio criador - não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e afectividade."

Desde 1914 que Pessoa escrevia fragmentos de cariz confessional, diarístico e memorialista aos quais, já a partir dessa data, deu o título de "Livro do Desassossego" - obra que o ocupou até ao fim.

Há aspectos "biográficos" que o aproximam de Pessoa: é ajudante de guarda livros em Lisboa e trabalha em escritórios modestos na Baixa pombalina. Se pelo carácter deambulatório se aproxima de Cesário Verde, se a sua prosa, muitas das vezes poética, recheada de pensamentos e de preocupações metafísicas, o irmana de Pessoa na perspectiva de Álvaro de Campos, se a sua escrita fragmentária e de tom diarístico, labiríntica e lúcida face à consciência de si e do Mistério, presente até o que há de mais insignificante, faz pensar no Húmus de Raul Brandão, podemos então olhar o Livro do Desassossego como um dos pilares da prosa moderna portuguesa.

Bernardo Soares, no meio de todos os heterónimos e sub-heterónimos pessoanos, aquele que mais se aproxima do próprio Pessoa.




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Inserção Histórica



DO LIBERALISMO À REPUBLICA

As novas ideias políticas dos filósofos franceses do século XVIII começam a entrar em Portugal no tempo do Marquês de Pombal. A censura, a polícia e a Inquisição não conseguem travar o aumento do número de «jacobinos» e dos «afrancesados», entre os quais figuram nobres e, sobretudo, homens de letras.

A luta da Inglaterra contra a França revolucionária envolve-nos na campanha do Rossilhão e obriga-nos a não acatar o Bloqueio Continental, decretado por Napoleão, sendo o nosso país invadido pelos exércitos franceses entre 1808 e 1810. Não conseguem, porém, nem prender a família real, que embarcara para o Brasil, nem subjugar a Nação, que se levanta em armas e, ajudada pelo exército inglês, vence os invasores em Roliça, Vimeiro, Porto, Buçaco, Linhas de Torres e outros lugares, e os obriga a retirar. As invasões francesas deixam o país arruinado e ocupado pelo exército inglês. O descontentamento alastra, reforçado pela propaganda das ideias liberais.

Após a malograda conspiração de 1817, comandada por Gomes Freire, triunfa a Revolução de 1820, organizada no Porto, sob a direcção de Manuel Fernandes Tomás, sendo eleita uma Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, destinada a governar em nome do rei e a reunir Cortes Constituintes.

A Constituição de 1822 transforma a monarquia absoluta em monarquia liberal. Ao domínio soberano do rei substitui três poderes: o poder legislativo, atribuído às Cortes, formadas por deputados eleitos; o poder executivo, concedido ao monarca e aos ministros; o poder judicial, confiado aos juízes. D. João VI regressa, jura a Constituição e enceta nova fase governativa. No Brasil, D. Pedro, que ali ficara com a categoria de regente, recusa-se a voltar a Portugal e proclama a independência em 1822.

A situação política portuguesa deu origem à formação de dois partidos rivais: absolutistas ou realistas, que pretendiam a continuidade das instituições anteriores e liberais ou constitucionais, defensores da ordem nova. À primeira revolta realista de Trás-os-Montes, seguiram-se os pronunciamentos militares de Vila-Francada e da Abrilada comandados pelo infante D. Miguel. D. Pedro, considerado herdeiro do trono, outorga ao País uma Carta Constitucional em1826, destinada a substituir a Constituição de 1822, e abdica nome da sua filha. Durante a menoridade desta, D. Miguel deveria governar de harmonia com a Carta. Os seus partidários, porém, aclamam-no «rei de Portugal», enquanto os liberais formam na ilha Terceira um governo oposicionista, apoiado por D. Pedro, que deixara o Brasil. É organizada uma expedição que vai desembarcar no Mindelo. Desencadeada a guerra, são vencidas as forças de D. Miguel e assinada a Convenção de Évora Monte em 1834.

Os liberais voltam definitivamente ao poder e continuam a decretar as reformas iniciadas por Mouzinho da Silveira. D. Maria II, que subiu ao trono após a morte de seu pai, viu-se logo de início em sérias dificuldades para manter o equilíbrio entre os partidos que dividiam os liberais, uns defensores da Constituição de 1822 , os «radicais» ou «vintistas», outros da Carta Constitucional, apelidados de «conservadores» ou «cartistas». Daqui resultaram uma série de lutas, que perturbam o seu reinado: Revolução de Setembro e Belenzada em1836, Revolta dos Marechais em 1837, Revolta de Costa Cabral em 1842, Revolução da Maria da Fonte em 1846 e a Regeneração em 1851.

A acalmia foi-se restabelecendo lentamente, acompanhada de medidas de vasto alcance, entre as quais se distinguem as de Costa Cabral na agricultura, comunicações, cultura e administração, as de Fontes Pereira de Melo nos caminhos de ferro, estradas, telégrafo, instrução agrícola e industrial, e as de Passos Manuel na instrução primária e ensino liceal. É igualmente neste época que é abolida a escravatura e a pena de morte. É também importante referir o nome de Sá da Bandeira e as suas importantes providências de interesse para as colónias.

Em meados do séc. XIX, o continente negro começa a despertar a atenção das potências, que favorecem expedições de exploradores e cientistas. Portugal acompanha este movimento: às viagens do começo do século, como a de Silva Porto, seguem-se as de Capelo e Ivens, Serpa Pinto e António Maria Cardoso.

As grandes potências, começam, entretanto, a disputar a posse da África e, em especial, dos nossos domínios. A Conferência de Berlim, em 1884, fixa determinados princípios basilares que levam os Estados a delimitarem as fronteiras das colónias. A Inglaterra, não concordando com as nossas alegaçõe em favor da posse do território situado entre Angola e Moçambique, impõe-nos a sua vontade pelo Ultimato de 1890. Só então Portugal inicia as campanhas de ocupação africana, nas quais se distinguem Mouzinho de Albuquerque, Paiva Couceiro, Alves Roçadas e João de Almeida.

O fim da monarquia liberal é precipitado pela crise que sucedeu ao Ultimato. Renasce a agitação política, e o Partido Republicano, revigorado mercê dessa crise, organiza uma revolução que rebenta no Porto a 31 de Janeiro de 1891, sem, no entanto, conseguir triunfar.

As lutas partidárias tornam-se mais violentas. D. Carlos fecha o Parlamento e confia o governo a João Franco, mas é assassinado em 1908. D. Manuel II procura então evitar, sem o conseguir, a derrocada da monarquia, sendo proclamada a 5 de Outubro de 1910.a República.

I REPÚBLICA

Em seguida à vitória republicana as figuras da propaganda conheceram uma consagradora popularidade. Neste bilhete postal encimado pelo busto da República, figurandoBernardino Machado e José Relvas, Ministro do Governo provisório e Manuel de Arriaga o primeiro presidente da República, eleito em Agosto de 1911

Após a proclamação do novo regime, constitui-se um governo provisório sob a presidência de Teófilo Braga. É Eleita uma Assembleia Nacional Constituinte, que vai discutir e aprovar a Constituição Política promulgada em 21 de Agosto de 1911, que estabelece um regime parlamentar. Ao Parlamento são atribuídos latos poderes, que podem levar à demissão do governo e à destituição do presidente da República.

O primeiro presidente eleito é Manuel de Arriaga. Mas a fragilidade do poder, as ambições e rivalidades partidárias , a instabilidade política e económica, certas medidas de carácter radical e laicista, tudo contribui para desacreditar as instituições. De facto esta é uma altura de grande instabilidade, consequência da existência de inúmeros partidos, tais como o Partido Democrático, chefiado por Afonso Costa, o Partido Evolucionista, dirigido por António José de Almeida, e o Partido Unionista, liderado por Brito Camacho. Ao mesmo tempo é uma época conturbada, de revoltas monárquicas e agitação social. Recorria-se até à greve, reconhecida por decreto de 6.12.1910, para protestar contra causas importantes, como e elevado número de desempregados. E, de certa forma, a instabilidade governativa e os governos efémeros contribuíam para aumentar o descontentamente popular. Por outro lado, as medidas de carácter laicista só contribuíam para desacreditar o governo. A devoção à Religião, usual no povo, contrastava com a lei de separação da Igreja e do Estado, expulsão de ordens religiosas e a confiscação dos seus bens, o reconhecimento do divórcio.

Em contrapartida, realizam-se importantes reformas no campo social, como a criação do crédito agrícola, o desenvolvimento da assistência pública e da protecção à infância, e no campo educativo é criada a Universidades de Lisboa.

A geração de Fernando Pessoa

É dentro de um clima político e social agitado por golpes e contragolpes que Fernando Pessoa se forma intelectualmente, circundando por uma das mais brilhantes gerações de Portugal. Entre os seus companheiros de espírito salientam-se Mário de Sá-Carneiro e José Almada Negreiros.

Sá-Carneiro (1890-1916) era prosador e poeta, um poeta egocêntrico e alucinado, Sá-Carneiro talvez reflita na sua obra a inquietação do homem moderno, dividido entre os grandes sonhos com o Absoluto e a realidade estúpida que o esmaga. A sua poesia alucinada, cheia de imagens estranhas, parece uma eterna busca de uma totalidade impossível: "Um pouco mais de sol - eu era brasa, / Um pouco mais de azul - eu era além./ Para atingir, faltou-me um golpe de asa.../ Se ao menos eu permanecesse aquém...".

Almada-Negreiros (1893-1970), dono de um talento múltiplo, dividiu-se entre a poesia, a pintura, o desenho, o romance e o teatro. Sendo rebelde, impulsivo, notabilizou-se pelos manifestos, através dos quais se insurgiu contra o academicismo e contra o passadismo. Almada Negreiros acabou por produzir uma obra desigual valorizando o caráter primitivo do homem, obra esta que marcou profundamente a sua geração.




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O Modernismo



O Modernismo português é um movimento estético de vanguarda, iniciado e impulsionado pela geração do "Orpheu", no qual a literatura aparece associada às artes plásticas e é por elas influenciada. Este movimento surgiu com o objectivo de levar a poesia Portuguesa a traçar caminhos ousados e originais, os quais já seguia no resto da Europa.

Para além da inspiração individual, as correntes literárias são susceptíveis de influenciar mais agudamente a sociedade. Eis uma das razões por que Fernando Pessoa tenta criar algumas correntes cujo poder destrutivo, das formas e sentimentos convencionais, sugerisse o âmbito pessoal. Ou as criou, ou nelas se integrou - sendo aqui de sublinhar que as influências sobre pessoa (de Walt Whitman, de Marinetti ou de Lautréamont), estas mais não são do que escolhas de movimentos destrutivos para uma fase dialéctica da sua obra.

Paúlismo

Fernando Pessoa tentaria bem cedo aquilo a que chamou o estilo paúlico (do poema "Paúlis"). Poetas paúlicos foram também, entre outros, Luís de Montalvor, Armando Cortes-Rodrigues, notando-se ainda claros vestígios de pós-simbolismo. O Paúlismo caracteriza-se por uma voluntária confusão do subjectivo e do objectivo, uma associação de ideias desconexas, utilização de frases nominais exclamativas, aberrações de sintaxe, vocabulário expressivo de tédio, do vazio da alma, do anseio de outra coisa, do vago, pela utilização de maiúsculas, que traduzem a profundidade espiritual de certas palavras.

Interseccionismo

O Interseccionismo é um processo do Modernismo com ligação à pintura futurista nas suas sobreposições do aqui e do além, do agora e do passado, exemplificado por Pessoa no segundo número da revista Orpheu nos seis momentos do poema Chuva Oblíqua, onde a inteligência estética se conjuga com a natural capacidade do poeta inovador. Como estão divididos o tempo e o espaço, também está dividida a alma do poeta e, daí, as sensações que transmite. Este processo lúdico pessoano foi de curta duração.

Sensacionismo

Visto por fora, o sensacionismo é a vivência das sensações tanto do sujeito poético como das pessoas e das coisas que o rodeiam, isto numa plenitude total, até o paroxismo (apogeu). Depois do contacto com as coisas ou com os factos e notícias, a única realidade em nós, segundo o sensacionismo, é a sensação, acto de conhecimento, fenómeno psíquico e, por isso, dotado de uma certa abstracção. Esta é uma teoria de difícil entendimento e mesmo quase contraditória. Esta sensação não é um dado imediato de consciência, até porque os sentidos facultam apenas um conhecimento muito fragmentário. À sensação associam-se outros dados já anteriormente adquiridos pela memória, pelos hábitos. Deste modo, a actividade sintética da consciência é fruto de uma elaboração mental feita por selecções e associações, realiza-se a partir de um processo interseccionista.




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Orpheu



O Orpheu foi uma revista de efémera duração, que iniciou em Portugal o movimento modernista. Apesar de terem sido apenas publicados dois números, os dos meses de Março e Junho de 1915, esta foi das mais importantes revistas deste periodo. O primeiro número, dirigido por Luís de Montalvor e Ronald de Carvalho, corresponde ao primeiro trimestre desse ano, e provocou escândalo e troça, como era desejo dos seus responsáveis. Englobava textos de importantes escritores: Mário de Sá-Carneiro com "Para os Indícios de Oiro", "Poemas" de Ronald de Carvalho, Fernando Pessoa com "O Marinheiro" e "Drama estático em um quadro", "Opiário" e "Ode Triunfal" do seu heterónimo Álvaro de Campos, "Treze Sonetos" de Alfredo Pedro Guisado e Almada Negreiros com "Frisos" e contos.

Orpheu 2, sob a direcção de Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro, corresponde ao segundo trimestre do ano de 1915. Incluía ilustrações de Santa-Rita Pintor, poemas de Ângelo de Lima, "Poemas sem Suporte" e"Manicure" de Mário Sá-Carneiro, "Poemas" de Eduardo Guimarães, Raul Leal com "Atelier - novela vertígica", poemas de Vyolante de Cysneiros, "Narciso" de Luís de Montalvor e Fernando Pessoa com "Chuva Oblíqua"-poemas interseccionistas- e "Ode Marítima" do seu pseudónimo "Álvaro de Campos". A reacção foi semelhante à do primeiro número, e Fernando Pessoa já preparava o terceiro número, que dizia ser "a soma e a síntese de todos os movimentos literários modernos", mas a revista não pôde prosseguir por falta de verba.




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Poemas de Fernando Pessoa e seus heterónimos

Fernando Pessoa


Mensagem
Nevoeiro
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quere.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ansia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

É a Hora!
Quando é que o cativeiro
Quando é que o cativeiro

Acabará em mim,

E, próprio dianteiro,

Avançarei enfim?

Quando é que me desato

Dos laços que me dei?

Quando serei um facto?

Quando é que me serei?

Quando, ao virar da esquina

De qualquer dia meu,

Me acharei alma digna

Da alma que Deus me deu?

Quando é que será quando?

Não sei. E até então

Viverei perguntando:

Perguntarei em vão.






Ricardo Reis

No ciclo eterno das mudáveis coisas
No ciclo eterno das mudáveis coisas
Novo inverno após novo outono volve
À diferente terra
Com a mesma maneira.
Porém a mim nem me acha diferente
Nem diferente deixa-me, fechado
Na clausura maligna
Da índole indecisa.
Presa da pálida fatalidade
De não mudar-me, me fiel renovo
Aos propósitos mudos
Morituros e infindos
A flor que és
A flor que és, não a que dás, eu quero,
Porque me negas o que te não peço.
Tempo há para negares
Depois de teres dado.
Flor sê-me flor! Se te colher avaro
A mão da infausta esfinge, tu perene
Sombra errarás absurda,
Buscando o que não deste.


Álvaro de Campos

O binómio de Newton é tão belo
O binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo.
O que há é pouca gente para dar por isso.

óóóó---óóóóóó óóó--- óóóóóóó óóóóóóóó

(O vento lá fora.)
Há mais de meia hora
Há mais de meia hora
Que estou sentado à secretária
Com o único intuito
De olhar para ela.
(Estes versos estão fora do meu ritmo.
Eu também estou fora do meu ritmo.)
Tinteiro grande à frente.
Canetas com aparos novos à frente.
Mais para cá papel muito limpo.
Ao lado esquerdo um volume da "Enciclopédia Britânica".
Ao lado direito -
Ah, ao lado direito
A faca de papel com que ontem
Não tive paciência para abrir completamente
O livro que me interessava e não lerei.

Quem pudesse sintonizar tudo isto!







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Extractos do "Livro do Desassossego"


Omar Khayyam

Omar tinha uma personalidade; eu, feliz ou infelizmente, não tenho nenhuma. Do que sou numa hora na hora seguinte me separo; do que fui num dia no dia seguinte me esqueci. Quem, como Omar, é quem é, vive num só mundo, que é o externo; quem, como eu, não é quem é, vive não só no mundo externo, mas num sucessivo e diverso mundo interno. A sua philosophia, ainda que queira ser a mesma que a de Omar, forçosamente o não poderá ser. Assim, sem que deveras o queira, tenho em mim, como se gossem almas, as philosophias que critique; Omar podia rejeitar a todas, pois lhe era externas, não as posso eu rejeitar, porque sou eu.



Amo, pelas tardes demoradas de verão, o socego da cidade baixa, e sobretudo aquele socego que o contraste acentua na parte que o dia mergulha em mais bulício. A Rua do Arsenakl, a Rua da Alfândega, o prolongamento das ruas tristes que se alastram para leste desde que a da Alfândega cessa, toda a linha separada dos cães quedos - tudo isso me conforta de tristeza, se me insiro, por essas tardes, na solidão do seu conjuncto. Vivo uma era anterior aquela em que vivo; goso de sentir-me coevo de Cesário Verde, e tenho em mim, não outros versos como os d'ele, mas a substância igual à dos versos que foram d'ele.

Por ali arrasto, até haver noite, uma sensação de vida parecida com a d'essas ruas. De dia elas são cheias de um bulício que não quer dizer nada; de noite são cheias de uma falta de bulício que não quer dizer nada. Eu de dia sou nulo, e de noite sou eu. Não há diferença entre mim e as ruas para o lado da Alfândega, salvo elas serem ruas e eu ser alma, o que pode ser que nada valha, ante o que é a essencia das cousas. Há um destino igual, porque é abstracto, para os homens e para as cousas - uma designação igualmente indiferente na algebra do mistério.

Mas há mais alguma cousa... Nessas horas lentas e vazias, sobe-me da alma à mente uma tristeza de todo o ser, a amargura de tudo ser ao mesmo tempo uma sensação minha e uma cousa externa, que não está em meu poder alterar. Ah, quantas vezes os meus próprios sonhos se me erguem em cousas, não para me substituirem a realidade, mas pare se me confessarem seus pares em eu os não querer, em me surgirem de fora, como o eléctrico que dá a volta na curva extrema da rua, ou a voz do apregoador nocturno, de não sei que cousa, que se destaca, toda arabe, como um repuxo subito, da monotonia do entardecer!

Passam casaes futuros, passam os pares das costureiras, passam rapazes com pressa de prazer, fumam no seu passeio de sempre os reformados de tudo, a uma ou outra porta reparam em pouco os vadios parados que são donas das lojas. Lentos, fortes e fracos, os recrutas sonanbulizam em molhas ora muito ruidosos, [?] ora mais que ruidosos. Gente normal surge de vez em quando. Os automoveis ali a esta hora não são muito frequentes; [...] No meu coração há uma paz de angústia, e o meu sossego é feito de resignação.

Passa tudo isso, e nada de tudo isso me diz nada, tudo é alheio ao meu sentir, [...] quando o acaso deita pedras, echos de vozes incógnitas - salada colectiva da vida.

O cansaço de todas as ilusões e de tudo o que há nas ilusões - a perda d'elas, a inutilidade de as ter, o antecansaço de ter que as ter para perde-las, a mágoa de as ter tido, a vetonha intelectual de as ter tido sabendo que teriam tal fim.

A consciência da inconsciência da vida é o mais antigo imposto à inteligencia. Há inteligências inconscientes... brilhos do espírito, correntos do entendimento, vozes [...] e philosophias que tem o mesmo entendimento que os reflexos corporeos, que a gesão que o fígado e os rins fazem de suas secreções.




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Opinião pessoal



Fernando Pessoa era um poeta de múltiplas personalidades, desdobrando-se cada uma num sujeito poético distinto.

Fernando Pessoa ortónimo expressa nos seus poemas a obsessão da análise, num permanente sofrer de angústia e busca da felicidade. A consciência do absurdo da existência leva-o a recusar a realidade, desdobrando-se em oposições: o sentir opõem-se ao pensar, a esperança é o oposto de desilusão e a vontade sobrepõem-se ao pensamento. Fernando Pessoa é o poeta do anti-sentimentalismo, da evocação da infância como símbolo da felicidade perdida e do fingimento enquanto alienação de si próprio e processo criativo. A fragmentação do eu e a perda da identidade levam-no à procura, ao absurdo. À profunda lucidez e inteliência intuitiva, junta-se a inquietação perante a impossibilidade de decifrar o enigma do mundo.

Alberto Caeiro é o Mestre Ingénuo. Para ele as coisas devem ser sentidas como são, representando portanto uma tendência crescente para objectivismo absoluto. Os poemas de Alberto Caeiro são o retorno à infância, o regresso à inconsciência. A recusa à subjectividade e à instrospecção, transformam-o num poeta do real objectivo, que vive no presente de uma forma instintiva, espontânea e ingénua. A identificação com a Natureza conduz a uma vida baseada no seu ritmo e a defender a existência antes do pensamento.

Ricardo Reis é o discípulo de Caeiro. Tal como ele, aceita a calma da ordem das coisas. A sabedoria consiste em gozar a vida através da razão e vivê-la num estilo campestre. Devido ao seu carácter filosófico, é aquele que mais se aproxima de Pessoa ortónimo. É directamente influênciado pelos poetas clássicos greco-latinos, seguindo o modelo Horaciano que defende a aurea mediocritas (ver que o tempo passa e não pode ser parado, vivendo uma vida tranquila num ambiente bucólico). Faz igulamente o elogio do epicurismo (busca de felicidade através do prazer) e do estpoicismo (reger-se pelas leis do destino).

Nos poemas de Álvaro de Campos predomina a emoção espontânea e torrencial. É um poeta dependente de todas as excentricidades, o que introduz nos seus poemas uma atitude de escândalo e choque e o leva a acolher todas as sensações. O poeta tenta-se libertar-se da presença de um Eu fragmentado, resultado talvez do seu isolamento, solidão e casaço existêncial. Outro aspecto comum nos seus poemas, é a apologia da civilização mecânica, da técnica e da indústria, numa sociedade que priveligie o progresso, a velocidade e a força.

A personalidade de Bernardo Soares é quase indentica à de Fernando Pessoa. De facto, a sua única obra, não é mais do que um livro de carácter confessional e memorialista, com aspectos biográficos que aproximam de Fernando Pessoa.

Através do legado de Fernando Pessoa conclui-se o seu carácter imaginativo, de sentimentos vários e fictícios. Este poeta exprimir-se-ia através de uma multiplicidade de personagens unificadas em dois aspectos fundamentais, que o poeta nunca conseguiu alcançar: a busca de felicidade e o fim da angústia.



Sou hoje o ponto de reunião de uma pequena humanidade só minha.






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Bibliografia




BAPTISTA, Vera; PINTO, Elisa; GOMES, Assunção - Signos, 12º Ano Português B - 1997 - Lisboa

Internet:

Foram consultadas várias páginas para a realização deste trabalho:

http://www.insite.com.br/art/pessoa/
http://www.insite.com.br/art/pessoa/quadras/index.html
http://www.secrel.com.br/jpoesia/gs01.html
http://www.insite.com.br/art/pessoa/misc/info/cronos.html
http://www.secrel.com.br/jpoesia/poesia.html
http://www.insite.com.br/art/pessoa/mensagem.html
http://www.secrel.com.br/jpoesia/pessoa.html


AUTOR: ANDRÉ